Conhecemos na última semana mais um capítulo da trágica decadência da velha Europa. Quiçá o derradeiro.
Não foi dignificante a postura dos parceiros da Zona Euro em toda esta
novela em torno do resgate cipriota. É triste constar o grau avançado de
‘pavlovização’ a que desceram os titulares das pastas das Finanças europeus.
Digo isto porque, como resulta óbvio da solução perfeitamente estapafúrdia
adotada, todos sabemos que mandou quem sempre manda; obedeceu quem sempre
obedece. Não se entende por isso esta pueril curiosidade dos jornalistas em
busca dum culpado. Todos estamos carecas de saber quem é a cabecinha loira que
impõe decisões e ao que se deve o unanimismo destas reuniões de farsa.
As regras destas cimeiras do Ecofin são tão apertadas - e os horários
cada vez mais estranhos - que, excluindo a TVI, ninguém consegue furar o pacto
de silêncio vigente. Todos estão vinculados ao que ali se passa. Entram com
pose apressada, de peito feito paras as esfomeadas câmaras de televisão. Saem
da arena como de uma sessão de hipnose. Estranhamente apáticos, vagos e
catatónicos. Com um andar novo, como sarcasticamente diria um grande amigo meu.
Juro que senti pena do ar acossado de Vítor Gaspar com toda a oposição a
morder-lhe as canelas, ainda sob efeito do jet lag - cumulativamente ao já
popular ar anestesiado que lhe é característico – sem saber o que responder
quando questionado sobre a idiotice que acabara de subscrever dias antes em
Bruxelas. Escondido naquela pose sempre desconcertante, como se previa, não
conseguiu esboçar uma razão inteligível que o ilibasse da participação de
véspera naquela votação obviamente estúpida. Claro que também não teve coragem
para ser honesto e confirmar o que a retorica da pergunta já indiciava, ou
seja, que votou ‘com’a Alemanha. Apenas por que sim. Como sempre, aliás. Não há
em Gaspar uma réstia de orgulho académico sequer, todo ele está alienado pelos
germânicos.
Foi esta como poderia ter sido qualquer outra medida. Se por exemplo a
solução passasse pela expulsão dos cipriotas da Zona Euro, estou certo de que o
braço amestrado de Gaspar seria dos primeiros a erguer-se, tal o grau de
‘pavlovização’. Resta-me a secreta esperança de que a preguiça verbal do nosso
querido ministro não se tenha propagado aos tendões e que no momento da votação
o angulo gestual não se tenha ficado pelos arianos quarenta e cinco graus.
Desengane-se quem julga que esta gente se move abnegadamente, com
sacrifício pessoal, pela salvação da Pátria. Ao contemplarmos com prudente
distância percursos como os de Durão Barroso, Vítor Constâncio ou até de
António Borges, todos entendemos as naturais aspirações do inenarrável Gaspar.
Começando pela ridícula vénia a Wolfgang Shoeble e terminando neste recente
episódio, poucas dúvidas restarão a quem quer que seja sobre o epílogo deste
filme. Como em outras coisas, mas desde logo na previsibilidade do guião, a
política e a pornografia são de fato idênticas.
No entanto, o que me inquietou de verdade foi a leitura que fiz de tudo
isto. Só mesmo um leigo em Economia como eu poderia cerzir tais raciocínios.
Todavia, a verdade é que são bastas as vezes em que dou por mim a ter medo dos
meus raciocínios desconexos, de tão grande que é a percentagem de
concretização.
Há uns anos assisti a um interessante filme alemão - uma exceção no
panorama cinematográfico oriundo daquela paragens - que se intitulava “Das
Experiment” (A Experiência). É uma película intrinsecamente germânica, áspera e
autocrítica. Não conta interpretações gloriosas e a economia cénica é evidente.
Mas ainda assim, é um filme extremamente interessante. Tem os ingredientes que
considero essenciais num filme: argumento inteligente ou original e
empolgamento do início ao fim.
Tentarei não entrar pelo enredo mas nos últimos tempos, como que de
forma inconsciente, a minha memória revisita esse filme e traça paralelos
involuntários. Pressinto que a Europa se perdeu irremediavelmente nos devaneios
ideológicos e nos efémeros caprichos eleitorais de uma senhora. Um caminho sem
volta que provavelmente acabará em guerra, num abismo que o velho continente
tão bem conhece. É para mim inevitável não comparar as personagens desse filme
com as cobaias da chanceler Merkel, que são os países mais periféricos e menos
populosos da UE.
Já assistimos a tanto em tão pouco tempo, que tenho a plena convicção de
que esta cimeira e o que dela resultou não foi um deslize mas sim um ensaio ou
uma experiência (como no filme!) para um dos cenários que a Alemanha tem vindo
a antecipar. Desde que se agudizou a situação na Grécia que a hipótese vem
ganhando forma. As consequências são imprevisíveis, incluindo para uma economia
sólida como a germânica. O Chipre, talvez a mais insignificante das economias
da Eurozone, seria a cobaia perfeita para tentar uma bancarrota assistida (!).
No fundo, um simulacro do que está prestes a acontecer a um núcleo de países
com as mesmas características, apenas em escalas diferentes. É o desfecho
inevitável.
Já li as teorias mais díspares sobre aquele memorável 'concílio'. Desde
a insanidade até à falta de horas de sono, por entre a incredulidade e o
escárnio muita gente palpitou sobre o assunto.
Relativamente a este assunto, sinto que perdi a fé e o humor. Fico-me pela secreta e
premonitória teoria d'A Experiência.
Brilhante. Um retrato acutilante das últimas experiências europeias. A descrição do Gaspar está perfeita!
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