sexta-feira, 22 de março de 2013

A primavera televisiva

É oficial: a silly season este ano chegou mais cedo!

O Poder transferiu-se em definitivo da Assembleia da República para os canais de televisão.
É um acontecimento histórico que convoca forçosamente uma reflexão coletiva sobre a democracia e, mais ainda, sobre a progressiva perda de valor do voto eletivo e da própria representatividade política.
É um sinal dos tempos. Um mau indício que reflete uma era historicamente conturbada. O mote foi dado em Itália, que curiosamente tem também em Berlusconi, dinossauro político oriundo dos mass media, um dos principais atores políticos.
O discurso político faz-se cada vez mais de sound bites e de imagens buriladas. O tempo em política pauta-se atualmente por meias horas de intervenções isoladas, com ou sem contraditório, consoante o formato televisivo.
Os pesos-pesados perfilam-se no rasto de dinheiro, protagonismo e de audiências. A política virou espetáculo. Um pouco à imagem dos reality-shows e da easy life que os rodeia, esta gente pretende um salário fixo, chorudo e poucas ou nenhumas responsabilidades. Este é o melhor dos mundos, se tivermos por ideal de mundo perfeito a abundante riqueza material.
Exemplo paradigmático desta realidade é a pré-anunciada intenção de António José Seguro, secretário-geral do Partido Socialista, sujeitar o Executivo a uma moção de censura. Isto sucede precisamente na véspera de um debate parlamentar de extrema importância política devido às circunstâncias especiais em que se realiza.
Não irá este anúncio esvaziar o conteúdo do debate? Não será este um tiro de pólvora seca? Corroborando o raciocínio, esta semana assistimos à aterragem quase simultânea de gente com bastante influência nos bastidores da política portuguesa. Mas não no Parlamento, onde agora, mais do que nunca, fazem imensa falta.
Tribunos excecionais, com carisma e experiência, como Lobo Xavier ou Pacheco Pereira; políticos experimentados como Pedro Santana Lopes, Luís Marques Mendes, Jorge Coelho, Bagão Félix, Carlos Carvalhas, Francisco Louçã ou José Sócrates; ou reconhecidos académicos como Adriano Moreira, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Eduardo Paz Ferreira, Bacelar de Vasconcelos, Jorge Miranda, Gomes Canotilho. Seria um luxo ter todos estes intelectuais com a sua auctoritas na ‘casa da democracia’ a debater altruisticamente os problemas e as soluções pelas quais ansiamos. Eles mesmos, de forma traiçoeira, tentam fazer-nos crer que também têm esse desinteressado objetivo. Balelas! Apenas fazem pela sua vidinha.
Os próprios senadores (ex-Presidentes da República e ex-Primeiros Ministros), ao invés de marcarem presença num órgão consultivo pouco transparente e ineficiente, como é o Conselho de Estado, deveriam intervir ativamente no debate político, na medida das suas possibilidades.
Muitos deles tomaram as decisões que estiveram na origem dos problemas atuais. Eles, melhor do que ninguém, porque conhecem a matriz da política, conhecerão os mecanismos mais eficazes para desativar a bomba que está armada e em contagem.
É confrangedor ouvir a maioria das intervenções que se fazem na Assembleia da República, tal a falta de conteúdo, o nível quase brejeiro da linguagem e a postura pouco solene. Um deputado tem de ser alguém vivido, com um percurso impoluto e reconhecida experiência profissional. Em suma: um exemplo. A escada para o Poder não pode partir das juventudes partidárias e das falsas licenciaturas.
Tem de haver mérito inquestionável e a moralização é imprescindível. É fundamental que os eleitores acreditem nos seus representantes, isto para que no futuro mais próximo não cheguemos à caricata conclusão de que a Grândola Vila Morena terá sido o discurso mais interessante que se ouviu na casa da democracia. 

1 comentário:

  1. A televisão passou a ser nova Assembleia da República. Agora tudo se decide nos órgãos de comunicação social que são a plataforma ideal para estas personalidades darem largas às suas subjectividades.

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