É oficial: a silly season este ano chegou mais cedo!
O Poder transferiu-se em
definitivo da Assembleia da República para os canais de televisão.
É um acontecimento histórico que
convoca forçosamente uma reflexão coletiva sobre a democracia e, mais ainda,
sobre a progressiva perda de valor do voto eletivo e da própria representatividade
política.
É um sinal dos tempos. Um mau indício
que reflete uma era historicamente conturbada. O mote foi dado em Itália, que curiosamente
tem também em Berlusconi, dinossauro político oriundo dos mass media, um dos principais atores políticos.
O discurso político faz-se cada
vez mais de sound bites e de imagens buriladas.
O tempo em política pauta-se atualmente por meias horas de intervenções
isoladas, com ou sem contraditório, consoante o formato televisivo.
Os pesos-pesados perfilam-se no
rasto de dinheiro, protagonismo e de audiências. A política virou espetáculo.
Um pouco à imagem dos reality-shows e
da easy life que os rodeia, esta
gente pretende um salário fixo, chorudo e poucas ou nenhumas responsabilidades.
Este é o melhor dos mundos, se tivermos por ideal de mundo perfeito a abundante
riqueza material.
Exemplo paradigmático desta
realidade é a pré-anunciada intenção de António José Seguro, secretário-geral
do Partido Socialista, sujeitar o Executivo a uma moção de censura. Isto sucede
precisamente na véspera de um debate parlamentar de extrema importância
política devido às circunstâncias especiais em que se realiza.
Não irá este anúncio esvaziar o
conteúdo do debate? Não será este um tiro de pólvora seca? Corroborando o
raciocínio, esta semana assistimos à aterragem quase simultânea de gente com
bastante influência nos bastidores da política portuguesa. Mas não no
Parlamento, onde agora, mais do que nunca, fazem imensa falta.
Tribunos excecionais, com carisma
e experiência, como Lobo Xavier ou Pacheco Pereira; políticos experimentados
como Pedro Santana Lopes, Luís Marques Mendes, Jorge Coelho, Bagão Félix, Carlos
Carvalhas, Francisco Louçã ou José Sócrates; ou reconhecidos académicos como Adriano
Moreira, Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Eduardo Paz Ferreira, Bacelar
de Vasconcelos, Jorge Miranda, Gomes Canotilho. Seria um luxo ter todos estes intelectuais
com a sua auctoritas na ‘casa da
democracia’ a debater altruisticamente os problemas e as soluções pelas quais
ansiamos. Eles mesmos, de forma traiçoeira, tentam fazer-nos crer que também
têm esse desinteressado objetivo. Balelas! Apenas fazem pela sua vidinha.
Os próprios senadores (ex-Presidentes
da República e ex-Primeiros Ministros), ao invés de marcarem presença num órgão
consultivo pouco transparente e ineficiente, como é o Conselho de Estado,
deveriam intervir ativamente no debate político, na medida das suas
possibilidades.
Muitos deles tomaram as decisões
que estiveram na origem dos problemas atuais. Eles, melhor do que ninguém, porque
conhecem a matriz da política, conhecerão os mecanismos mais eficazes para desativar
a bomba que está armada e em contagem.
É confrangedor ouvir a maioria
das intervenções que se fazem na Assembleia da República, tal a falta de
conteúdo, o nível quase brejeiro da linguagem e a postura pouco solene. Um
deputado tem de ser alguém vivido, com um percurso impoluto e reconhecida
experiência profissional. Em suma: um exemplo. A escada para o Poder não pode
partir das juventudes partidárias e das falsas licenciaturas.
Tem de haver mérito
inquestionável e a moralização é imprescindível. É fundamental que os eleitores
acreditem nos seus representantes, isto para que no futuro mais próximo não cheguemos
à caricata conclusão de que a Grândola Vila Morena terá sido o discurso mais
interessante que se ouviu na casa da democracia.